segunda-feira, 9 de março de 2015

Sejam bem-educados

O ano passado, durante a entrega dos diplomas na prestigiada escola de comunicação Le Celsa, ligada à universidade da Sorbonne, o seu presidente terá pedido modéstia aos diplomados citando Flaubert: “Diplôme: signe de science. Ne prouve rien.”
Apadrinhava este evento Nicolas de Tavernost, presidente do grande grupo francês de audiovisual e multimédia “M6”, que deu alguns conselhos aos jovens que iam entrar na vida profissional: trabalhar, obstinar-se, falar uma língua estrangeira. E depois acrescentou: “Sejam bem-educados.”

Li isto no verão de 2014, numa crónica do “Le Figaro Magazine” e fiquei a pensar neste conselho sui generis.

E com base nos entraves que ultrapassei na vida profissional, cheguei à conclusão que a recomendação não é descabida:
Já repararam que os problemas surgem mais vezes por uma questão de atitude que de aptitude?

Se a boa-educação nunca foi óbvia, hoje ainda é menos, já que o desmazelo vulgarizou-se e o ensino nacional deixou de “educar”.
A ausência de educação vê-se na rua, na escola, na televisão, nos locais de trabalho. A linguagem e pensamento grosseiros imperam.
Herança de 68, da crise nas famílias e do individualismo?

Nos anos 80, poucos defendiam a boa educação. Esta falta de interesse surgiu com um novo tipo de vida aceleradíssima, com o culto da performance, com o espirito de competição…

Em Portugal, um dos reflexos dos anos 80 foram as manifestações estudantis de 1994, em que milhares de jovens manifestantes tiveram um comportamento inqualificável, insultando e mostrando o rabo. Na altura foi uma novidade.
Foi quando o jornalista Jorge Vicente Silva usou a polémica e excessiva expressão: “geração rasca”.

Esses estudantes dos anos 80 e 90 são hoje adultos com responsabilidades e a verdade é que muitos tiveram direito a passagens administrativas, fomentando-se a irresponsabilidade. Se acrescentarmos a isso que alguns dos seus pais os educaram com laxismo, negligência, ausência de valores e sem lhes transmitirem os princípios da liberdade responsável, o resultado não é famoso, já que sem moral e sem ética, muitos destes adultos praticam a mentira, manipulação e abusam da impunidade moral, vivendo apenas para os seus interesses.
O mundo da finança, das empresas, da política e o Estado estão cheio deles, como infelizmente se tem visto nos últimos anos.

A classe média, que cresceu a um ritmo alucinante nas últimas décadas, ansiosa, como é natural, de ter tudo o que os seus antepassados nunca tiveram, endeusou o consumo e as aparências, tratando todos os outros como números, não reparando que eles próprios se estavam a tornar num número para os demais.
A vulgarização acabou por ir forçando barreiras e mesmo os mais resistentes acabaram por adaptar-se. Passou tudo a ser banal e quase nada sobressai.
Veja-se em Espanha, o tratamento por “tu”, que se começou timidamente a utilizar em Valencia nos anos 40 e que está hoje totalmente aceite. Se no princípio dos anos 80 ainda havia alguma hesitação, sendo-se algumas vezes tratado por tu e outras vezes por “usted”, hoje o “tu cá, tu lá” é prática comum.

Em resumo: Educação, saber-estar, savoir-vivre e savoir-faire, caíram em desuso.

No entanto, mesmo que as novas tecnologias tenham alterado ainda mais a relação com a boa-educação, não deixa de ser verdade que desde há uns anos para cá recomeçou-se a dar-lhe importância.

Ainda bem que muitos gestores, incluindo alguns portugueses, já perceberam que contratar profissionais bem-educados só traz vantagens. Ser educado é mais uma competência. Rara.
Parece que também a geração com menos de 30 anos começa a achar que é grave faltar ao respeito a um professor. Pequenos indícios que começam a mostrar recetividade à boa-educação.
Em França começam a surgir muitos cursos de formação, dados por empresas como a Adecco, que ensinam aos profissionais como estar à mesa, a exprimir-se corretamente, a escrever sem erros…

Mas o que é ser bem-educado?
Antes de mais é um sinal de respeito e consideração pelos outros e por si próprio.
A seguir é a arte de dizer tudo, mas como deve ser, nas circunstâncias apropriadas e com as palavras adequadas.
E depois é saber regras de etiqueta, para se sentir à vontade em qualquer meio social ou ocasião e não causar desconforto aos outros.
Muito disto aprende-se, mas a maior parte tem a ver com sensibilidade e bom senso.

Bom exemplo de que a boa-educação só traz vantagens profissionais, é a aristocracia em França. Não são mais que 0,2% da população francesa, mas se olharmos para as grandes empresas cotadas no CAC 40, vemos que muitos dos presidentes das grandes empresas pertencem a esta minoria social. AXA, Saint Gobain, Carrefour, Fimalac, Aéroport de Paris, são algumas das empresas que dirigem. Destes faz parte o barão Nicolas Bellet de Tavernost, presidente do grupo M6, o tal que deu o conselho: Sejam bem-educados.
Percebe-se que sabia do que estava a falar. Homme du monde e de sucesso, cultiva a discrição. Sabe que os seus estudos, aliados a uma excelente educação familiar, deram-lhe um savoir-faire que é a chave do seu sucesso. Honra, respeito pela palavra dada, sentido de responsabilidade, honestidade, entreajuda, são qualidades que fazem parte do seu código de conduta.
Em Portugal também temos alguns, mas para evitar polémica destaco apenas um por trabalhar no estrangeiro. O competentíssimo António Mota de Sousa Horta Osório a quem o governo inglês incumbiu de salvar o banco Lloyds e que em 2014 já obteve um resultado líquido de mais de dois mil milhões de Euros.
Estes homens “educados” não são ingénuos, nem “meninos de coro”, mas têm em comum inteligência, cultura, altos estudos, excelente educação, pensamentos bem estruturados, respeito pelo outro e cultivam as relações sociais.

Cristina Marques Fernandes, autora do livro “Manual de Protocolo Empresarial”, completaria o parágrafo anterior dizendo como já escreveu: “Alguns acham que saber estar é um comportamento inatingível e maçador, prerrogativa de uma minoria privilegiada pelo estatuto social ou pela fortuna. Outros, julgo eu mais sensatos, sabem que o saber estar é uma postura que deve ser assumida por cada um, não só na vida social como, sobretudo, na vida profissional, onde o percurso académico e a experiência podem já não ser garantia de colocação e/ou sucesso.”

Infelizmente, é consensual que os clientes são “reis” e os fornecedores para continuarem a vender “engolem bastantes sapos”. Cada vez mais. Mas quando os próprios fornecedores e colegas de trabalho também se tornam difíceis e obstinados não respondendo aos e-mails e telefonemas, aí temos um problema grave e global de má-educação em que todos perdem.
E se todos perdem há que mudar tudo.

Assim, voltando às novas tecnologias que têm alterado ainda mais a relação com a boa-educação, é natural que os conselhos sejam dirigidos aos mais novos - utilizadores compulsivos das novas tecnologias - que estão a começar o seu percurso profissional e que podem representar a mudança desde o primeiro dia de trabalho.

Sim, ser bem-educado acaba por compensar já que traz grande satisfação e benefícios. Quem é que não gosta de ter um interlocutor atento, cordial e educado? Essa atitude é muitas vezes retribuída.
Privilegiar as reuniões e os contactos pessoais. É aí que se avaliam os outros e que surgem ideias e soluções. Não em 2 linhas de um e-mail.
Receber as pessoas, responder aos e-mails, atender os telefones, ou assim que possível devolver as chamadas, são simples atitudes com um efeito tão imediatamente positivo que motivam a ir mais longe na procura da boa-educação.

E para os que não conseguem ver vantagem em ser educados para com todos, mas apenas para os que lhe trazem benefícios, recordo a fábula “O leão e o rato” de La Fontaine, em que o leão não comeu o rato, que por sua vez veio a salvar a vida do leão. Não devemos ter a arrogância de subestimar os outros. Somos frequentemente ajudados pelos “mais pequenos”.
Il faut autant qu’on peut obliger tout le monde :
On a souvent besoin d’un plus petit que soi.









quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Se estamos a ter bons resultados, é porque alguma coisa deve estar a funcionar.


Tudo indica que as coisas não estão a correr tão mal quanto a oposição e os milhões de derrotistas e pessimistas nos querem fazer querer.

Em 2014 o PIB português cresceu 0,9%.
Por uma vez que o PIB português cresceu - interrompendo três anos seguidos de recessão económica  – vêm logo os jornalistas, socialistas e outros “istas”, dizer que crescimento fica abaixo das estimativas do Governo, que apontava um crescimento de 1%!

ISTO É PURA MÁ-FÉ! Os analistas e as instituições nacionais e internacionais apontavam para um intervalo de variação do PIB entre 0,8% e 1%.
Já sem falar que a OCDE em Maio de 2013 previa que 2014 fosse mais um ano de desilusão, com a economia a estagnar nos 0,2%...
Os portugueses, que já levam com tanta austeridade e passam tantas dificuldades sem praticamente se queixarem, não deviam ter que levar com mais esta demagogia e derrotismo.

Será que os portugueses não têm direito a um pouco de folga nas suas inquietações e alegrar-se com o que o de positivo vai acontecendo para ir ganhando ânimo e ímpeto para seguir em frente?
Estamos tão dependentes dos outros países, que é muito difícil prever como vão correr os próximos anos, mas sem otimismo, empreendedores e população em geral não avançam.

Os principais motores das economias são o otimismo e a confiança, daí estarem periodicamente a serem divulgados os Indicadores de confiança dos consumidores e de clima económico da Indústria transformadora, construção e obras públicas, comércio e serviços. Não só nacionais, mas também internacionais, já que dependemos da procura dos outros países para crescermos.
Ainda agora, a propósito do Turismo em Portugal que em 2014 bateu recordes, o Secretário de Estado Adolfo Mesquita Nunes associa a recuperação à melhoria da confiança dos portugueses na economia e às estratégias dos empresários.
Conclusão: confiança gera estratégias que beneficiam a economia.

No último programa “Governo Sombra”, João Miguel Tavares dizia que não se deveria dizer sistematicamente mal de tudo.
Devia-se apontar o que correu mal, o que correu menos bem, mas também o que correu bem.

Vivo da economia real, e estes valores positivos ainda não se refletiram na minha atividade, mas como todos os que querem avançar e não podem parar, tomo uma dose de otimismo de manhã e vou trabalhar. E não parar, mesmo quando está tudo mal à nossa volta, representa momentos de angústia na solidão da decisão.
Assim, estas vitórias nacionais e estrangeiras são cruciais para decidirmos se vamos investir numa feira no estrangeiro, se abrimos uma filial ou se contratamos mais um colaborador.

Um empreendedor que esteja constantemente a ver as notícias e a ouvir a oposição ao governo, ficará no mínimo desanimado e com menos apetência para o risco.
Um estudo feito em 2012 por Sean Dagan Wood à imprensa britânica, revelou que os artigos positivos só representam 16% das notícias. Isto é francamente desanimador.
Quanto aos políticos que nos massacram com discursos derrotistas, populistas e demagogos têm falta de respeito pelos portugueses, são injustos e intelectualmente desonestos. 

O ministro da economia, Pires de Lima, como gestor que é, sabe bem distinguir as empresas da política.

Ele pediu “para que não se confunda política com o trabalho das empresas.” E diz mais: “ O Governo não exporta. O nosso papel é facilitar a vida às empresas, é abrir mercados, é ajudar as empresas a afirmarem-se."

Elogia também “o enorme esforço de empresários, gestores e trabalhadores”, “capaz de operar este feito que está a mudar a economia portuguesa” e critica os que desvalorizam estes resultados. “Desvalorizar este crescimento não é desvalorizar o trabalho do Governo, é desvalorizar o trabalho das empresas.”

 

“Tenho alguma dificuldade em perceber porque não aceitamos, de uma vez por todas, que, se estamos a ter bons resultados, é porque alguma coisa deve estar a funcionar". Palavras de João Cotrim Figueiredo presidente do Turismo de Portugal, com as quais estou totalmente de acordo.

 

Assim, como tudo o que está mal é amplamente divulgado e como sabemos que a Dívida Pública não tem parado de aumentar, (segundo a edição de janeiro 2015 do IGCP, representa 217.126 milhões de Euros), aqui ficam alguns dados que me parecem bem mais encorajadores para que a economia cresça e a dívida pública se vá pagando.

Começando por 2014:

- 2014 foi o melhor ano de sempre a nível de exportações com um crescimento próximo dos 3%. As exportações cresceram pelo terceiro ano consecutivo.

- 2014 foi o ano recorde do turismo em Portugal. O saldo da balança turística no país deverá atingir 7.000 milhões de Euros, o que representa cerca de 4% do PIB.
Os estabelecimentos hoteleiros tiveram um crescimento de 11% em relação a 2013, tendo os proveitos dos hotéis crescido a um ritmo superior ao das dormidas.

- 2014 foi o ano em que o desemprego baixou para 13,9%.

- A 17 de maio de 2014, Portugal abandonou oficialmente o resgate sem qualquer programa cautelar. (O programa de ajustamento solicitado por Portugal à 'troika' (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI), no valor de 78 mil milhões de euros, esteve em vigor durante cerca de três anos.)

2015:
A) Factos:

- Portugal vai reembolsar antecipadamente os empréstimos do FMI. (Portugal recebeu um total de 26,5 mil milhões de euros do FMI)
“O reembolso antecipado irá resultar em poupanças líquidas de pagamentos de juros na ordem dos 500 milhões de euros e terá um impacto positivo na sustentabilidade da dívida portuguesa.” É o próprio vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelo Euro, Valdis Dombrovskis, que o afirma.

- Portugal tem conseguido emitir dívida com taxas historicamente baixas: Títulos a 10 anos com uma taxa de 2,5% (o juro cobrada pelo FMI é de 3,5%) e ainda hoje 3 e 11 meses a taxas de juro de 0,061% e 0,138%.

- Todas as Instituições portuguesas e estrangeiras preveem que a economia portuguesa vai crescer mais do que em 2014 e que o desemprego vai descer ao longo do ano.

B) Previsões para 2015 (As previsões valem o que valem, mas não nos tirem a alegria de acreditar nelas):
- Segundo o Guia Laboral 2015 da Hays, o mercado das contratações vai animar a economia nacional em 2015, com destaque para a indústria, TI e turismo e Lazer.
Também o retalho e grande distribuição, contabilidade e finanças, e farmacêuticas estão a recuperar e o marketing e vendas ganham impulso.

- Em 2015 espera-se que a retoma da economia prossiga e, consequentemente, seja um ano mais desafogado para os agregados familiares. De acordo com as previsões do Banco de Portugal e do Governo, a economia nacional deverá crescer 1,5% no próximo ano, sustentado pelo aumento das exportações e também na produtividade das empresas.
- O banco holandês ING confia que apesar de “a retoma ser ainda muito frágil”, a atividade económica em Portugal deverá ser mais robusta ao longo deste ano. O que ajudará o governo a baixar o défice orçamental para “cerca de 3% do PIB” e a dívida “pode descer para perto, mas ainda acima, de 120% do PIB”.
O que me preocupa em 2015:
- O ano 2015 trouxe novas variáveis políticas e económicas que podem interferir com o nosso desenvolvimento a nível internacional.
A única solução é fazermos um esforço adicional para sermos ainda mais inovadores na abordagem aos mercados.

- As Legislativas. Que o próximo partido a ganhar as eleições não desperdice o enorme esforço que os portugueses fizeram.
Espero que quem vota em Portugal, veja bem no que deu o “conto de fadas” grego, para que não se repita à custa dos portugueses.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

LIBERTÉ, ÉGALITÉ, FRATERNITÉ

O terrorismo, seja na Nigéria, Síria, Iraque, Paquistão, (onde o mês passado foram assassinadas mais de 140 crianças), é horroroso.

Tão horroroso como o terrorismo que ocorre na Europa.

Infelizmente o mundo acorda quase todos os dias com mais uma notícia de terrorismo e convenhamos - que por serem tantos e em países longínquos que não conhecemos bem - apenas damos valor no momento em que sabemos do sucedido. Depois não se fala mais desse caso.

A prova é que nas redes sociais portuguesas, poucos são os debates que se fazem quando esses países são vítimas de terrorismo. Algumas pessoas postam o link do jornal que tem um artigo sobre esse assunto, alguns dos seus amigos comentam “que horror!” e fica-se por aqui.

O que até certo ponto é “compreensível”, pois em geral, não conhecemos bem esses países, não sabemos bem o que motiva esses atos, quem são essas etnias e populações, o que os divide, porque se perseguem e chacinam.

Devemos repudiar veementemente estes atos, mas no geral o comum dos portugueses e ocidentais não têm conhecimentos suficientes de antropologia, história ou geopolítica para debater cada ato terrorista passado em países tão distantes uns dos outros e tão díspares na sua maneira de ser. Apenas os podemos lamentar e esperar que os nossos representantes políticos deem o seu melhor contributo para resolver esses conflitos.

Por uma vez que a sociedade portuguesa se sente afetada e chocada com o terrorismo, acho redutor e contraproducente ir-se de imediato buscar todas as outras grandes causas, como se esta não bastasse.

O terrorismo ocorrido em Paris conseguimos debatê-lo, pois todos temos a perceção do que se passa, quem são os terroristas, onde vivem, como se tornaram extremistas e o que os motiva.

E este debate é crucial, porque ESTE terrorismo talvez esteja ao nosso alcance resolvê-lo ou minimizá-lo.

Se não nos limitarmos a debater profundamente o que aconteceu em Paris e na Europa, e atirarmos para o ar todos os outros casos, acabamos por não nos envolvermos a sério em causa nenhuma.
                                                    
Um número de mortos mais elevado não faz de um ato terrorista mais hediondo que um outro no qual, por sorte, houve menos vítimas.

Todos sabemos que o objetivo do terrorismo é matar o maior número de pessoas possível. Basta ver a frieza e gratuitidade com que foi morto o polícia em Paris e como no dia seguinte outra mulher polícia foi abatida sem razão aparente e um funcionário da limpeza atingido. Estas vítimas vêm apenas provar que os terroristas só querem matar gente, como aconteceu no supermercado judeu, pelo que se conclui que a linha editorial do Charlie Hebdo não passa de mais um ódio e um pretexto para matar.

Tudo leva a crer que se estes terroristas de Paris tivessem tido meios e oportunidade teriam feito operações muito maiores e morto muita mais gente.

Há muita gente que não gosta dos cartoons porque os acha insultuosos e por isso escreveram “não sou Charlie”. Respeito a sensibilidade dos que assim pensam, mas a meu ver, para a maioria das pessoas o “je suis Charlie”, manifesta apenas que não estão dispostos a perder a Liberdade Expressão e sobretudo que não vão ceder à chantagem do terrorismo.

Foi por essas razões que na semana dos atentados estive presente na manifestação na Câmara do Porto, promovida pelo Rui Moreira, (onde infelizmente apenas estavam presentes escassas dezenas de portugueses).

Não tenho dúvidas que se forem dadas hipóteses aos terroristas, depois dos cartunistas serão assassinados os que escrevem e falam nos meios de comunicação, seguindo-se nós todos que nos manifestamos nos blogues e redes sociais, ao mesmo tempo que todos os outros que passam na rua.

Por isso tantos milhões de pessoas se têm manifestado contra a brutalidade do extremismo que está a aterrorizar o Ocidente. Todos eles sabem que podem estar expostos à barbárie, mas não se querem render ou conformar.

Tenho ficado atónito e chocado por ver opiniões no Facebook a justificarem o sucedido com a linha editorial do Charlie Hebdo. Basicamente dizem que “são contra o terrorismo mas que o Charlie estava a pedi-las. Mas são contra o terrorismo.”

Neste momento de grande tragédia e luto, é no mínimo contraproducente debater o tema da Liberdade de Expressão. Essa discussão deve ser feita noutra altura, até porque representa pouco do muito que o terrorismo tem feito. Será que não vêm as decapitações na televisão?

E isto ainda não acabou, pois como temos visto nos últimos dias, na Bélgica, França e Alemanha têm sido desmanteladas vários grupos de terroristas que se preparavam para atuar. Alguns deles chegados da Síria com experiência de guerra.

O terrorismo MATA.

Este não é um tema qualquer que possa ser tratado de forma ligeira, nem utilizado para fazer desabafos no Facebook. É um assunto que merece sermos construtivos. Deveríamos ser todos INCONDICIONALMENTE contra o terrorismo.

O debate sobre o terrorismo na Europa é da maior importância, não só porque o terrorismo não tem parado mas porque todos somos potenciais vítimas.

Se um filho nosso morrer vítima de terrorismo - em Paris, ou em Madrid (onde em 11 de Março de 2004 explodiram bombas em 4 comboios, matando 191 pessoas e ferindo 1.700), ou em Londres (onde em Julho 2005 houve 3 explosões no Metro e 1 num autocarro, matando 52 pessoas e ferindo 700) - quero ver qual é o pai que vai escrever no seu mural de Facebook “eu não sou isto ou aqueloutro”, ou  “eu sou do país longínquo “X” onde também rebentou uma bomba que ainda matou mais gente”.

Pois é…

O assunto diz-nos respeito e de que maneira.

Não vale a pena tapar o sol com a peneira dizendo que em Portugal não temos terrorismo e que a culpa é dos franceses que são muito tolerantes.

Os portugueses estão espalhados por toda a Europa e os nossos filhos estão em Erasmus nas várias cidades europeias e a arranjar empregos em Inglaterra, França, Bélgica, etc.

Não se pode relativizar o que aconteceu em Paris, tentando arranjar uma explicação de ordem politica. O terrorismo é hediondo, sobretudo quando é praticado nos países que acolhem e dão liberdade a esses mesmos terroristas. Já lá vai o tempo do terrorismo politico, praticado por separatistas, ou grupos marxistas. Agora é um terrorismo gratuito, de puro ódio e que tem que ser combatido como uma guerra.

A questão agora é: Como se resolve?
Há 10 anos, quando jovens incendiaram carros e agrediram bombeiros, o então ministro do Interior, Sarkozy tratou-os de "racailles et voyous". Mas surpreendentemente nas entrevistas de rua, os franceses eram tolerantes. Diziam que em parte compreendiam, pois se morassem nas mesmas condições que esses jovens... 
E a violência continuou a aumentar ano após ano. 
Ninguém imaginava que poucos anos depois muitos iriam engrossar as fileiras do auto-proclamado Estado Islâmico, espalhando o terror pela Síria e Iraque.
...E agora em Paris.

Parece que em Paris, jovens portugueses que vivem nos mesmos bairros que muçulmanos estão a converter-se ao islamismo. E filhos de franceses também. E demasiados estão a ir para a Síria.

França tem um problema interno para resolver, mas também já é tempo de todos os Serviços Secretos do Ocidente se unirem e partilharem as informações. O facto de França ter sido posta de parte por se opor à invasão do Iraque tem que terminar, porque a invasão já era, o resultado está à vista e o radicalismo aumenta traduzindo-se num maior número de terroristas. Há uns anos havia centenas de terroristas na Europa, agora há milhares.

Neste momento que os franceses estão consternados, chocados e indignados pelos acontecimentos trágicos que assolaram a França atingindo-os no mais profundo da sua alma, é o momento para que o debate aconteça. Serenamente mas com resultados construtivos e eficazes.

Quanto a mim estou com França, ligado aos seus valores universais que tão bem soube espalhar pelo mundo: LIBERTÉ, ÉGALITÉ, FRATERNITÉ.

 

 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O meu pai


Coloquei uma fotografia do meu pai (Manuel José de Magalhães Mexia Duarte Alves), no Facebook e tive tantos likes e comentários que me senti na obrigação de responder desta forma:
Muito obrigado a todos os que puseram like e a todos os comentários tão simpáticos, tão queridos e tão sentidos de quem o conheceu bem.

 Sei que todos os que conheceram bem o meu pai o têm em alta estima, pela sua forma de estar e pelo exemplo de vida que levou.

Muito seguro e discreto, fiel incondicional aos seus princípios, nunca se deixou levar por modas, nem deixou de fazer o que entendia ser correto.

A minha mãe diz que o meu pai era “a rock”.

Nunca o ouvi dizer mal de ninguém, mas ouvi-o elogiar algumas pessoas.

“Má-língua” não lhe interessava. Desviava logo a conversa dizendo “isso são lérias”.

O que mais gostava era de estar com toda a família em Monte Real. No Natal chegávamos a estar cerca de 100. Os irmãos divertiam-no imenso. 

Profissionalmente, penso que ética é a palavra que melhor o define.

As suas notáveis qualidades não passavam despercebidas e antes de ter 30 anos já era diretor geral da Covina.

Mais que o seu trabalho na direção da empresa e na construção de uma segunda fábrica sofisticadíssima, o que mais me marcou foi o seu envolvimento e forte empenho na construção do bairro social para os 1.200 trabalhadores da empresa. 

Apesar de grandes contratempos em 1975, nunca o vi a apontar o dedo a ninguém. Explicava-me que era normal, que uma revolução era como uma barragem que rebentava...

Quando foi preciso, teve a coragem e o bom senso de emigrar para sustentar a família. Custou-lhe horrores. Ao domingo costumava beber um cálice de aguardente de Carvide, virado para Portugal e a ouvir cassetes do irmão dele Joaquim a cantar fado.

Ao fim de muitos anos conseguiu voltar para Portugal e mais uma vez a sua competência e retidão, fizeram com que o seu lugar como um dos administradores da Empresa das Águas do Areeiro, se mantivesse mesmo quando o meu pai já estava muito doente. Estarei sempre muito grato ao Sr. Domingues Pérez, homem que o meu pai tanto admirava.

E morreu. Muito cedo. Com 69 anos. Faz agora 14 anos. 

A lotaria genética fez com que esta alma e mais cinco, sejam o fruto do amor de um pai e de uma mãe extraordinários. O seu exemplo foi o maior testemunho que nos deixou.

Agradeço a todos os que me acham parecido fisicamente com o meu pai. Quem me dera…
Às vezes acho que tenho algo dele, mas como dizia Gabriel García Márquez: "Un hombre sabe que está envejeciendo porque empieza a parecerse a su padre".


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Os Políticos comentadores, os DDT e o Liberalismo Económico


1) Já chega de políticos-comentadores!

Os políticos-comentadores são em grande parte responsáveis pelo desinteresse e falta de credibilidade que o povo tem pela política e pelos políticos.

O país chegou à crise em que está atolado, devido a quase todos os políticos das últimas décadas. É claro que governos como o de Sócrates potenciaram ao máximo a chegada da crise, mas todos os outros, da direita à esquerda foram coniventes, permitindo despesismo desnecessário, clientelas, favores, corrupção, etc. Nada disto é novo e todos já chegaram a esta conclusão.

Mas quando estoira uma bomba, vem-se a saber mais qualquer coisita e o povo fica estupefacto por terem passado leis atrás de leis, sem que nem o partido comunista tenha feito estardalhaço suficiente para alertar os portugueses. Et pour cause:
 
No âmbito das eleições autárquicas de 2005, 2009 e 2013 o PCP recorreu a empréstimos no BES, o que não os impede de agora comunicarem “não só a justeza das posições do PCP contra os processos de privatização da banca comercial, mas sobretudo o perigo que constituiu para os interesses nacionais, o processo de reconstituição monopolista de que o BES e o GES são particular expressão”.
EXTRAORDINÁRIO! Todos iguais.
Seria de esperar que o PCP se financiasse na Caixa Geral de Depósitos…

Os da extrema-esquerda têm a cassete metida que toca sempre a mesma coisa: mais salários, menos horas de trabalho, mais direitos, etc., a oposição seja ela socialista, do centro ou da direita, criticam molemente os governos, com insultos mas sem grandes argumentos. Tipo “os cães ladram e a caravana passa impassível”. E os governos vão andando, as leis vão passando, as reformas do Estado nunca se fazem e Portugal vai-se languidamente atrasando até à exaustão.

De repente veio a verificar-se aquilo que há anos todos comentavam circunstancialmente, já que ao mesmo tempo parecia irreal.

Os donos disto tudo sempre existem.

As leis e não só, eram, (são) feitas à medida dos grandes grupos económicos. Fazem-se favores de parte a parte e ao fim garantem-se empregos para uns e contratos faraónicos para outros, mesmo que para isso o Estado e os portugueses sejam escandalosamente prejudicados. Quem vier atrás que fecha a porta.

Esta semana, com Ricardo Salgado detido para interrogatório, foi o máximo para as televisões e jornais. Já estávamos em velocidade de cruzeiro na “silly season”, quando de repente cai uma bomba mesmo a calhar para o negócio. Aumentos a pique das tiragens dos jornais, das audiências das rádios e televisões. E lá vêm uns atrás dos outros, as dezenas ou centenas de comentadores.

Confesso que para formar uma opinião, ouvi bastantes. Mas sempre que ouvia um político comentar, ao fim de poucos instantes mudava de canal, pois ou vinham com a famosa frase do até prova em contrário é-se inocente e de aí não saiam, ou criticavam tudo e todos, como é habitual.

Quando mudei três vezes de canal percebi que à parte a falta de interesse do que diziam, estavam a provocar-me náuseas. Então todos eles foram ministros, secretários de Estado, deputados, autarcas, presidentes de partidos, etc., aprovaram as leis que fizeram de alguns os donos disto tudo e vêm como se nada fosse comentar o estado atual das coisas? Chegámos onde chegámos, porque mesmo os que não roubaram ficaram à porta. Um político comentador, à parte ter muita lata é totalmente desprovido de vergonha. Quando estiveram no Poder deixaram que o país se fosse afundando e agora criticam os que lá estão? Mas de que é feita esta gente? Ferreiras Leite, Marques Mendes, Marcelos, Bagões Félix, Sócrates, Antónios Costa, Pachecos Pereira, etc., etc.

Apesar do zapping acabei por ouvir mais Manuela Ferreira Leite.
 
2) Quanto ao que ouvi:

Estou de acordo com Manuela Ferreira Leite quando disse que não havia necessidade de irem buscar Ricardo Salgado a casa, uma vez que ele tinha proposto a deslocar-se ao TIC.

A Justiça, antes de fazer este estardalhaço, deveria primeiro preparar bem o caso antes de “fazer a festa”. Quem acredita na Justiça quando se trata de poderosos. Por certo que a este nível grandes escritórios de advogados já estão a preparar a defesa e que provavelmente o Estado não vai ter meios para responder com eficácia.   

Como Manuela Ferreira Leite, também não fiquei feliz por um dos maiores grupos portugueses se poder vir a desmoronar e por o seu presidente ir preso. É uma pena se ele cometeu crimes, pois Portugal tem poucos grandes grupos económicos e os países para se desenvolverem precisam de grandes grupos. Honestos.

Dito isto, que a Justiça funcione.

Não me agradou “os pezinhos de lã" como Manuela Ferreira Leite e um comentador do CDS, abordaram o assunto.

O partido socialista não ouvi, mas também deve estar tão comprometido como os outros.

Os partidos estão todos comprometidos. Desde há décadas que o dinheiro flui a rodos para os partidos, todos os políticos vinham de, ou iam para quadros dos grandes grupos, sobretudo do GES e assim se alteraram as leis do país, fazendo-as à medida dos grandes grupos.

O que os políticos comentam, pouco ou nada interessa. Têm todos telhados de vidro. Mesmo os que parecem mais sérios. Alguém acredita que uma pessoa com anos de atividade partidária e cargos políticos não sabe o que se passa, ou passou?

Manuela Ferreira Leite também fez parte de vários governos e do parlamento na altura em que os grandes grupos mais desenvolveram as suas teias. O que fez então em relação a isto? Nada.

Só como comentadora é que começou a disparar tiros certeiros.

Manuela Ferreira Leite disse “Há problemas piores do que os do sector público”, dando o exemplo das auto-estradas vazias que “não são para beneficiar os utentes, são para beneficiar quem as construiu. Não em nome do interesse público mas do interesse privado.” “Achámos que a origem de todos os males é o sector público mas não é. O défice público está quase controlado e o país não cresce”, concluiu.

Pois não. Mas de quem é a culpa? Dos secretários de Estado, ministros, deputados e autarcas que passaram pelos sucessivos governos e que nada fizeram para impedir que as autoestradas vazias fossem construídas para beneficiar apenas quem as construiu.

Este governo também não tem as mãos limpas, (veja-se a lei que promulgou permitindo que o presente de 14 milhões que Ricardo Salgado recebeu, ficasse na Suíça), mas Manuela Ferreira Leite não tem moral para falar em relação ao que tem sido feito por este governo, pois que fez ela de tão relevante quando foi ministra das Finanças? Um desastre: não hesitou em dar luz verde aos famosos SWAPS, negócio ruinoso que comprometeu a receita fiscal nos anos seguintes, colocando-nos à mercê do casino financeiro, acumulando cerca de 3 mil milhões de perdas potenciais para os cofres públicos.
Quanto às reformas Manuela Ferreira Leite também não fez nada.
Nem tinha capacidade para fazer, já que em Novembro de 2008 Manuela Ferreira Leite disse “eu não acredito em reformas quando se está em democracia", mas no mesmo discurso acusou o Governo de então de ter falhado as reformas da Educação, da Saúde, da Administração Pública e da Justiça. Fantástico.

Se não acredita, porque é que aceitou os cargos de maior responsabilidade do país?

Até hoje nenhum governo fez a verdadeira Reforma do Estado. Não quiseram ou não tiveram coragem. Tanto faz. Não fizeram.

Ouvi também Carlos Tavares na Assembleia da República a dizer o que todos queriam ouvir:

Que instaurou 20 processos de contraordenação contra entidades pertencentes ao GES, dando a entender que, ultrapassando nalguns casos as competências da CMVM, fez muitas recomendações e alertas, mas que quem tinha que atuar, (talvez Banco de Portugal e Governo), não deu a devida importância.
Queixou-se também das pressões que sofreu por parte do GES para que houvesse o aumento de capital. (Sentiu-se pressionado mas acabou por aceitar o aumento de capital… patético. Ou não falava nisso por o aumento de capital ser necessário e legal, ou então não tem estofo para aguentar a pressão que é exigida ao presidente da CMVM.)

Gostei muito de ouvir na SIC o painel no qual interveio o José Gomes Ferreira. Esses sim, sem telhados de vidro, expuseram claramente a podridão de tudo isto, dizendo que no fundo, com todas as alterações de leis que foram feitas à medida dos grandes grupos, passamos todos a trabalhar para os grandes grupos económicos. Assalariados, empresas, etc.

Ao ouvi-los fiquei com a nítida sensação de que no fundo foram criados reais monopólios e que o país nunca se poderá desenvolver nestes moldes.
 
E têm toda a razão, pois parece-me evidente que não vivemos num sistema de Liberalismo Económico. Para que vivêssemos um verdadeiro Liberalismo Económico, o Estado não deveria fazer mais que supervisionar, (coisa que praticamente não tem feito, ou têm feito muito mal), e deixar que a economia seguisse o seu curso, deixando todos os agentes económicos crescerem individualmente, o que evidentemente traria enormes benefícios para a nossa sociedade, uma vez que a soma desses interesses particulares promoveria a evolução generalizada.

Adam Smith, economista escocês, que desenvolveu a teoria do liberalismo, apontando como as nações iriam prosperar, afirma que enquanto o liberalismo económico favorece os mercados sem restrições por parte do governo, o Estado tem um papel legítimo no fornecimento de bens públicos.
 

3) Um banco tem que ser supervisionado de muito perto. É uma das principais funções do Banco de Portugal.

Oiço muita gente a falar dos bancos, como se de uma empresa normal privada se tratasse. Podem ser privados, mas são instituições de utilidade pública. É a eles que os cidadãos e as empresas confiam o seu dinheiro e é a eles que a economia recorre para crescer.

Muita gente diz que se deve deixar falir os bancos. As pessoas que o dizem certamente não têm as suas poupanças nesses bancos e deixar falir um banco pode ter um efeito dominó na banca e nos países. Esta crise mundial não começou com a falência do banco Lehman Brothers?

As pessoas em vez de se virarem contra os bancos deviam sim virar-se com toda a sua força contra as instituições do Estado, que têm por obrigação supervisionar as instituições financeiras. Esses sim, são os verdadeiros culpados e responsáveis.

Não tenhamos ilusões, a ganância faz parte do Ser Humano e poucos são os que se tiverem oportunidade não “fogem aqui ou acolá”. Um amigo dizia-me que é tudo uma questão de escala. E tem razão. Mas há escalas que podem ser entendidas com clemência e outras pela repercussão que têm no país não podem ser vistas com a mesma bonomia.  
 
Que bom que era se tudo isto não tivesse acontecido em vão e se as leis viessem a ser alteradas, permitindo um verdadeiro Liberalismo Económico, de forma a que a economia crescesse e Portugal progredisse.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

O Celibato dos Padres e a Ordenação das Mulheres

Há homens que tudo podem.

Até à eleição do papa Francisco havia tantos assuntos intocáveis… A maioria das pessoas e não apenas os conservadores, nem queriam ouvir falar de algo que saísse do que estava instituído.
 
De repente, a vontade de evolução do papa Francisco, aliada à sua competência, liderança, carisma, bondade e atitudes, galvanizaram as massas e (quase) todos acham natural pôr em questão o que ainda há tão pouco tempo era inquestionável. Há homens que tudo podem.
 
O facto de responder a qualquer pergunta, mesmo às mais incómodas, mostra que efetivamente está a desempenhar o seu cargo de coração aberto e muito focado no próximo. Afinal é disto que trata o Cristianismo.
 
Entendo que apesar da fé, falar de Deus e do Cristianismo, é sempre muitíssimo complexo e extremamente ousado.

Já falar da Igreja, que os homens começaram a organizar 4 a 5 séculos depois de Cristo, parece-me mais fácil e neste século XXI não vejo razão para fazermos da Igreja um tabu inquestionável. (Ao utilizar a palavra Igreja não estou a falar do Sacramento, mas da Organização.)
 
O mundo cresceu muito. Somos hoje mais de sete mil milhões de seres humanos e o Cristianismo está espalhado por todos os continentes, raças e civilizações. A Igreja tem um peso muito importante na vida de 1/3 da população mundial. As pessoas esperem que a Igreja as ajude, acompanhe e as conduza na sua vida religiosa, mas também que as entenda e perceba, que fique mais próxima delas e responda aos seus anseios.

E aqui as coisas complicam-se pois um asiático tem por trás uma civilização completamente diferente dum africano, ou dum europeu, ou dum americano. Todos somos muito diferentes uns dos outros. Como gerir uma organização global, moderna, em que cada vez há mais gente com instrução? Como gerir um mundo de civilizações tendo apenas como único ponto comum, o Cristianismo e tudo o que ser Cristão implica?
 
Ouvi D. José Policarpo dizer numa entrevista que a missão da Igreja é divulgar o Evangelho.

Concordo plenamente e penso que a Igreja tem desempenhado esse papel e o da Eucaristia, seriamente e convictamente. Mas essa divulgação pode estagnar ou morrer se a Igreja não se modernizar e cativar as pessoas a entrarem para ouvirem o Evangelho. Com a estagnação da Igreja e o progresso da civilização, quantas gerações pouco a pouco deixaram de ouvir falar em Deus? Quantos milhões, descendentes de católicos, jamais se lhes ocorre pensarem em Deus, Jesus ou Igreja? Longe da vista, longe do coração. O cristianismo continuará sempre a surpreender pela sua novidade, mas a Igreja tem que estar à vista para chegar aos corações.  

Mas para estar à vista é preciso progredir.
A obra criada por culturas anteriores é uma dávida, mas essa obra só tem continuidade se a cultura atual também tiver o seu próprio tempo, espaço e autonomia.

1)      O casamento dos padres:

Fiquei contente por o papa Francisco ter recentemente afirmado que o fim do celibato dos padres é um tema que pode ser debatido na Igreja. Disse que "por não ser um dogma de fé, a porta está sempre aberta." E também que "a Igreja Católica tem padres casados no rito oriental" e que "não se trata de um dogma, mas de uma regra de vida, que eu aprecio muito e que é uma dádiva à Igreja."

Apesar do papa ver vantagens no celibato, admite vir a discutir o assunto. E acredito que o vai fazer.

Francisco afirmou que "por enquanto sou a favor de que se mantenha o celibato com os prós e os contras que ele acarreta, porque são dez séculos de boas experiências, mais do que de falhas."

Compreendo-o, pois os dez séculos passados também estão impregnados em mim e também me é muito estranho pensar num padre casado.

Ainda por cima é um assunto que desperta pouco interesse nos fiéis, Apesar dos media…

A Igreja tem atravessado uma crise profunda, perdendo crentes onde era forte e ganhando poucos onde era fraca. Precisamos de padres.

Por exemplo, prevê-se que daqui a 10 anos a França só tenha 10.000 padres. Atualmente tem cerca de 20.000.
 
Olivier le Gendre, católico, especialista em Igreja, no seu livro “Confession d’un cardinal”, põe o dedo na ferida: A questão do celibato prende-se com questões financeiras. Foi aliás por essa questão que, há muitos séculos atrás, a Igreja institui o celibato. Os filhos herdavam a propriedade que a Igreja tinha dado ao padre para porvir ao seu sustento. Quando o padre morria era preciso voltar a comprar uma outra propriedade para o novo padre.

Também hoje em dia, um padre casado e com filhos criaria gigantescos problemas práticos. Seria necessário encontrar fontes de financiamento consideráveis para que lhes fosse assegurado um modo de vida suficiente para educarem serenamente os seus filhos. Teriam também que ter horários diferentes dos celibatários que estão disponíveis 24 horas por dia.

Parece que os bispos orientais queixam-se das dificuldades financeiras que acarreta um clero carregado com família.  

O celibato é efetivamente uma grande dávida à Igreja, mas espalhar a Fé é crucial.

E há muitos sítios onde por falta de padres as missas não são celebradas e o devido acompanhamento espiritual dessas populações também não é feito.

Se o fim do celibato for o caminho para termos muitos mais padres, penso que chegou a hora de se começar a preparar o caminho.

Mas, mais uma vez no livro de André le Gendre a questão é muito bem colocada: Só haverá padres casados quando aceitarmos a ideia de que o padre será diferente daquele que nos habituámos a ver nos últimos séculos. Não se pode esperar que esses padres casados se substituam aos padres que nós conhecemos desde há centenas de anos: o presbitério, a disponibilidade constante, o patrocínio da Igreja, a gestão das finanças e tantas outras questões…
 
O debate tem que começar por aqui e nem é certo que o casamento dos padres aumente o clero. Mas se a Igreja chegar à conclusão que com essa alteração o número de padres aumenta, então há que prepararmo-nos para essa mudança.

Nas últimas décadas temos passado por mudanças tão radicais e abruptas às quais acabamos por nos habituar tão rapidamente…


2)      Ordenação das mulheres para o ministério do sacerdócio apostólico:

 
Sou totalmente a favor da ordenação das mulheres para o ministério do sacerdócio apostólico.

Conheço grande parte dos argumentos contra o que defendo e nenhum me convence. Esses argumentos são históricos, antiquados e desenquadrados da realidade, tendo como base séculos de preconceitos sociais, sendo que proibição da ordenação sacerdotal das mulheres é matéria que pertence à doutrina católica e por isso até hoje não foi revista.

Quando o próprio D. José Policarpo em 2011 se pronunciou sobre a questão da ordenação das mulheres, afirmando que era “uma questão de igualdade fundamental de todos os membros da Igreja, impossibilitada apenas por questões de tradição que radicam no Novo Testamento”, sendo que teologicamente nada o impede, (e desta matéria sabia ele, já que era Doutor em teologia), caiu o Carmo e a Trindade. Foram tantos os protestos, inclusive do Vaticano, que ele tentou emendar a mão, sem que alguém ficasse convencido.

Sou casado e tenho três filhas e não vejo do ponto de vista humano, qualquer diferença entre um homem e uma mulher.

Fico chocado quando me apercebo que também as próprias mulheres entendem que só os homens devem ser sacerdotes.

Hoje, as mulheres estudam, trabalham como os homens, cada vez alcançam mais a lugares de topo nas suas profissões, são soldados, são presidentes de nações, são pilotos de caças (e sublinho este exemplo para lembrar que as mulheres passam em duríssimos testes físicos), têm sido grandes missionárias e incansáveis no que toca a obras de beneficência.

Comparando o sacerdócio com os médicos - outra profissão de grande vocação e que também é guardiã do respeito absoluto pela vida e, como na confissão, pelos segredos que lhe tiverem sido confiados pelos pacientes - há alguém que julgue que pelo facto de ser homem, um médico desempenha melhor o seu papel que uma médica? Tenho a certeza que não.

Então, honestamente e sem preconceitos, porque é que as mulheres não seriam também excelentes sacerdotes?

Se também para a Igreja é inquestionável a importância dos direitos humanos incluindo “a igualdade fundamental entre os homens e as mulheres e o dever de oferecer a todos as mesmas possibilidades”, porque não dá o exemplo?

 Mas onde nasce esta “diferença” entre o homem e a mulher?

1       Tudo tem um começo e uma prática que começa algures no tempo e que se enraíza nas culturas de uma forma inconsciente.

Se recorrermos à semiótica, a ciência geral dos signos e da semiose que estuda todos os fenómenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, chegamos lá.

Um dos mais reputados semiólogos, Umberto Eco, o famoso, escritor, filósofo, linguista e bibliófilo, numa entrevista publicada este ano no “Le Figaro Magazine” a propósito do seu último livro “Construir o inimigo”, afirma que desde a origem do Ser Humano que existe o ódio do sexo masculino pelo sexo feminino. Apoia-se em “Mater sempre certa est”, (há sempre há certeza sobre quem é a mãe), e que o homem sempre se quis vingar desta inquietante incerteza. Assim durante muitos anos a mulher foi fechada dentro de casa a fim de se assegurar que a criança a nascer não seria filho de outro.

2      De aí nascem, já sem uma relação direta com o medo da paternidade, mas como uma declinação, as práticas antifeministas como a burka e a “construção” das bruxas.
 
3      Mas, se como afirma Umberto Eco, a origem desta diferença começa na incerteza da paternidade, os testes clínicos de paternidade deveriam permitir ao homem de hoje encarar a mulher como sua igual.
 
Temos que estar atentos aos sinais dos tempos para progredir.

O papa Francisco está atento. Nós temos que estar também.