Até à eleição do papa Francisco havia tantos assuntos intocáveis… A maioria das pessoas e não apenas os conservadores, nem queriam ouvir falar de algo que saísse do que estava instituído.
De repente, a vontade de evolução do papa Francisco, aliada à sua competência, liderança, carisma, bondade e atitudes, galvanizaram as massas e (quase) todos acham natural pôr em questão o que ainda há tão pouco tempo era inquestionável. Há homens que tudo podem.
O facto de responder a qualquer pergunta, mesmo às mais incómodas, mostra que efetivamente está a desempenhar o seu cargo de coração aberto e muito focado no próximo. Afinal é disto que trata o Cristianismo.
Entendo que apesar da fé, falar de Deus e do Cristianismo, é sempre muitíssimo complexo e extremamente ousado.
Já
falar da Igreja, que os homens começaram a organizar 4 a 5 séculos depois de
Cristo, parece-me mais fácil e neste século XXI não vejo razão para fazermos da
Igreja um tabu inquestionável. (Ao utilizar a palavra Igreja não estou a falar
do Sacramento, mas da Organização.)
O mundo cresceu muito. Somos hoje mais de sete mil milhões de seres humanos e o Cristianismo está espalhado por todos os continentes, raças e civilizações. A Igreja tem um peso muito importante na vida de 1/3 da população mundial. As pessoas esperem que a Igreja as ajude, acompanhe e as conduza na sua vida religiosa, mas também que as entenda e perceba, que fique mais próxima delas e responda aos seus anseios.
E
aqui as coisas complicam-se pois um asiático tem por trás uma civilização
completamente diferente dum africano, ou dum europeu, ou dum americano. Todos
somos muito diferentes uns dos outros. Como gerir uma organização global, moderna,
em que cada vez há mais gente com instrução? Como gerir um mundo de
civilizações tendo apenas como único ponto comum, o Cristianismo e tudo o que
ser Cristão implica?
Ouvi D. José Policarpo dizer numa entrevista que a missão da Igreja é divulgar o Evangelho.
Concordo
plenamente e penso que a Igreja tem desempenhado esse papel e o da Eucaristia,
seriamente e convictamente. Mas essa divulgação pode estagnar ou morrer se a
Igreja não se modernizar e cativar as pessoas a entrarem para ouvirem o Evangelho.
Com a estagnação da Igreja e o progresso da civilização, quantas gerações pouco a
pouco deixaram de ouvir falar em Deus? Quantos milhões, descendentes de
católicos, jamais se lhes ocorre pensarem em Deus, Jesus ou Igreja? Longe da
vista, longe do coração. O cristianismo continuará sempre a surpreender pela
sua novidade, mas a Igreja tem que estar à vista para chegar aos corações.
Mas
para estar à vista é preciso progredir.
A obra criada por culturas
anteriores é uma dávida, mas essa obra só tem continuidade se a cultura atual
também tiver o seu próprio tempo, espaço e autonomia.
1) O casamento dos padres:
Fiquei
contente por o papa Francisco ter recentemente afirmado que o fim do celibato dos padres é um tema que pode ser debatido na Igreja.
Disse que "por não ser um dogma de fé, a porta está sempre aberta." E
também que "a Igreja Católica tem padres casados no rito oriental" e
que "não se trata de um dogma, mas de uma regra de vida, que eu aprecio
muito e que é uma dádiva à Igreja."
Apesar do papa ver vantagens no celibato, admite
vir a discutir o assunto. E acredito que o vai fazer.
Francisco afirmou que "por enquanto sou a favor de que se mantenha o celibato com os prós e os contras que ele acarreta, porque são dez séculos de boas experiências, mais do que de falhas."
Compreendo-o, pois os dez séculos passados também
estão impregnados em mim e também me é muito estranho pensar num padre casado.
Ainda por cima é um assunto que desperta pouco
interesse nos fiéis, Apesar dos media…
A Igreja tem atravessado uma crise profunda, perdendo crentes onde era forte e ganhando poucos onde era fraca. Precisamos de padres.
Por exemplo, prevê-se que daqui a 10 anos a França
só tenha 10.000 padres. Atualmente tem cerca de 20.000.
Olivier le Gendre, católico, especialista em Igreja, no seu livro “Confession d’un cardinal”, põe o dedo na ferida: A questão do celibato prende-se com questões financeiras. Foi aliás por essa questão que, há muitos séculos atrás, a Igreja institui o celibato. Os filhos herdavam a propriedade que a Igreja tinha dado ao padre para porvir ao seu sustento. Quando o padre morria era preciso voltar a comprar uma outra propriedade para o novo padre.
Também hoje em dia, um padre casado e com filhos
criaria gigantescos problemas práticos. Seria necessário encontrar fontes de financiamento
consideráveis para que lhes fosse assegurado um modo de vida suficiente para
educarem serenamente os seus filhos. Teriam também que ter horários diferentes
dos celibatários que estão disponíveis 24 horas por dia.
Parece que os bispos orientais queixam-se das
dificuldades financeiras que acarreta um clero carregado com família.
O celibato é efetivamente uma grande dávida à
Igreja, mas espalhar a Fé é crucial.
E há muitos sítios onde por falta de padres as
missas não são celebradas e o devido acompanhamento espiritual dessas populações
também não é feito.
Se o fim do celibato for o caminho para termos muitos
mais padres, penso que chegou a hora de se começar a preparar o caminho.
Mas, mais uma vez no livro de André le Gendre a questão é muito bem colocada: Só haverá padres casados quando aceitarmos a ideia de que o padre será diferente daquele que nos habituámos a ver nos últimos séculos. Não se pode esperar que esses padres casados se substituam aos padres que nós conhecemos desde há centenas de anos: o presbitério, a disponibilidade constante, o patrocínio da Igreja, a gestão das finanças e tantas outras questões…
Nas últimas décadas temos passado por mudanças tão
radicais e abruptas às quais acabamos por nos habituar tão rapidamente…
2) Ordenação das
mulheres para o ministério do sacerdócio apostólico:
Conheço
grande parte dos argumentos contra o que defendo e nenhum me convence. Esses
argumentos são históricos, antiquados e desenquadrados da realidade, tendo como
base séculos de preconceitos sociais, sendo que proibição da ordenação
sacerdotal das mulheres é matéria que pertence à doutrina católica e por isso
até hoje não foi revista.
Quando
o próprio D. José Policarpo em 2011 se pronunciou sobre a questão da ordenação
das mulheres, afirmando que era “uma questão de igualdade fundamental de todos
os membros da Igreja, impossibilitada apenas por questões de tradição que
radicam no Novo Testamento”, sendo que teologicamente nada o impede, (e desta
matéria sabia ele, já que era Doutor em teologia), caiu o Carmo e a Trindade.
Foram tantos os protestos, inclusive do Vaticano, que ele tentou emendar a mão,
sem que alguém ficasse convencido.
Sou
casado e tenho três filhas e não vejo do ponto de vista humano, qualquer
diferença entre um homem e uma mulher.
Fico
chocado quando me apercebo que também as próprias mulheres entendem que só os
homens devem ser sacerdotes.
Hoje,
as mulheres estudam, trabalham como os homens, cada vez alcançam mais a lugares
de topo nas suas profissões, são soldados, são presidentes de nações, são
pilotos de caças (e sublinho este exemplo para lembrar que as mulheres passam
em duríssimos testes físicos), têm sido grandes missionárias e incansáveis no
que toca a obras de beneficência.
Comparando
o sacerdócio com os médicos - outra profissão de grande vocação e que também é
guardiã do respeito absoluto pela vida e, como na confissão, pelos segredos que
lhe tiverem sido confiados pelos pacientes - há alguém que julgue que pelo
facto de ser homem, um médico desempenha melhor o seu papel que uma médica?
Tenho a certeza que não.
Então,
honestamente e sem preconceitos, porque é que as mulheres não seriam também
excelentes sacerdotes?
Se
também para a Igreja é inquestionável a importância dos direitos humanos
incluindo “a igualdade fundamental entre os homens e as mulheres e o dever de
oferecer a todos as mesmas possibilidades”, porque não dá o exemplo?
1
Tudo tem um começo e uma prática que começa algures no tempo e que
se enraíza nas culturas de uma forma inconsciente.
Se
recorrermos à semiótica, a ciência geral dos signos e da semiose
que estuda todos os fenómenos culturais como se fossem sistemas sígnicos,
chegamos lá.
Um
dos mais reputados semiólogos, Umberto Eco, o famoso, escritor, filósofo,
linguista e bibliófilo, numa entrevista publicada este ano no “Le Figaro
Magazine” a propósito do seu último livro “Construir o inimigo”, afirma que
desde a origem do Ser Humano que existe o ódio do sexo masculino pelo sexo
feminino. Apoia-se em “Mater sempre certa est”, (há sempre há
certeza sobre quem é a mãe), e que o homem sempre se quis vingar desta
inquietante incerteza. Assim durante muitos anos a mulher foi fechada dentro de
casa a fim de se assegurar que a criança a nascer não seria filho de outro.
2 De aí nascem,
já sem uma relação direta com o medo da paternidade, mas como uma declinação,
as práticas antifeministas como a burka e a “construção” das bruxas.
3
Mas, se como afirma Umberto Eco, a origem desta diferença começa na
incerteza da paternidade, os testes clínicos de paternidade deveriam permitir
ao homem de hoje encarar a mulher como sua igual.
O papa
Francisco está atento. Nós temos que estar também.